Manoel Xudú
Cultura Nordestina
terça-feira, 11 de outubro de 2011
0MANOEL XUDU REPENTISTA NORDESTINO
O Poeta Eduardo Rabello garimpou essa pedra rara:
Admiro um pica-pau
Numa madeira de angico
Que passa o dia todim
Taco-taco, tico-tico
Não sente dor de cabeça
Nem quebra a ponta do bico
Admiro 100 formigas
Um besouro carregando
40 puxa na frente
40 atrás empurrando
E as 20 que vão em cima
Pensam que estão ajudando
Manoel Xudú
Um besouro carregando
40 puxa na frente
40 atrás empurrando
E as 20 que vão em cima
Pensam que estão ajudando
Manoel Xudú
Manoel Xudu ( A Lenda do Repente)
Uma resposta para Do poeta Manoel Xudú
Manoel Xudu, um gênio do povo
Tenho grande simpatia e empatia com os personagens que tenham contribuído de alguma forma para o coletivo, que tenham dedicado suas vidas por uma idéia, uma causa, ou tenham consagrado sua inteligência à execução de uma arte. Os que se distinguem, os excepcionais, esses merecem a imortalidade. Os grandes artistas populares quase sempre são esquecidos por não terem traquejo social, prestígio ou militância política. Que devemos prestigiar nossos valores, de ontem e de hoje, é inquestionável. Organizei um livreto com o propósito de levar a cabo a missão de preservar um pouco da obra do grande Manoel Xudu, esse filho de São José dos Ramos que foi um dos maiores artistas que se conheceu na arte de improvisar versos ao som de uma viola.
Eu mal havia completado dezessete anos, e já freqüentava as barracas que vendiam cachaça, galinha torrada e macaxeira, na beira da linha, em Itabaiana. Essas barracas permaneciam abertas a noite toda, nas segundas-feiras, véspera da grande feira de Itabaiana, para onde convergiam centenas de matutos de toda região. Eram redutos de violeiros e emboladores de coco, que passavam a noite bebendo e divertindo a matutada. Foi ali onde conheci Manoel Xudu, a quem devo o favor da minha iniciação nos segredos da belíssima arte do improviso, a sextilha, o setessílabo, o decassílabo, a gemedeira, o mourão perguntado, o martelo alagoano, o mote, o tema e outros detalhes do mundo mágico dos cantadores repentistas. A cultura na sua mais pura forma de ser, os magníficos poetas repentistas com seus jogos de palavra e seu raciocínio veloz em torneios semânticos que, às vezes, duravam dias e noites.
Manoel Xudu merece constar na galeria dos grandes artistas populares do Brasil. Esse fenômeno da poesia popular divulgou em versos geniais os valores sociais, políticos, religiosos, culturais e econômicos de sua terra, nas tradicionais cantorias que foram, durante muito tempo, a educação informal principalmente das comunidades do campo.
O saber do povo, a bem da verdade, sempre foi olhado com desconfiança pelas elites dirigentes. No entanto, hoje a obra de Manoel Xudu é estudada por pesquisadores da cultura popular. Louve-se a iniciativa da prefeitura de São José dos Ramos, de editar este livreto com o que de melhor produziu o poeta e foi gravado pela memória de alguns admiradores, além de versos de folhetos de cordel, como é exemplo a “Peleja de Manoel Xudu com Zezé Lulu”, publicado na íntegra neste opúsculo. Conhecendo-se a má vontade dos esquemas oficiais, quando se trata de apoio à produção artística e cultural dos pobres, damos graças aos deuses do Parnaso por São José dos Ramos ter um prefeito, Azenildo Ramos, amante da poesia e da cultura popular, ele que investiu na divulgação da história da vida e obra desse poeta simples, reconhecido hoje como um dos maiores repentistas de todos os tempos no Nordeste.
Em um festival de poetas no Clube Astrea, em João Pessoa, pediram uma definição de poesia. Manoel Xudu saiu-se com este improviso:
“Poesia tão linda e soberana
E tão pura, tão branca igual a um véu...
Está na terra, no mar, está no céu
E no pelo que tem a jitirana.
Ela está em quem vive a cortar cana
Quando volta pra casa ao meio dia...
Está num bolo de fava insossa e fria
Que um pobre mastiga com lingüiça.
Está na paz, no amor e na justiça
O mistério da doce poesia.
Eu mal havia completado dezessete anos, e já freqüentava as barracas que vendiam cachaça, galinha torrada e macaxeira, na beira da linha, em Itabaiana. Essas barracas permaneciam abertas a noite toda, nas segundas-feiras, véspera da grande feira de Itabaiana, para onde convergiam centenas de matutos de toda região. Eram redutos de violeiros e emboladores de coco, que passavam a noite bebendo e divertindo a matutada. Foi ali onde conheci Manoel Xudu, a quem devo o favor da minha iniciação nos segredos da belíssima arte do improviso, a sextilha, o setessílabo, o decassílabo, a gemedeira, o mourão perguntado, o martelo alagoano, o mote, o tema e outros detalhes do mundo mágico dos cantadores repentistas. A cultura na sua mais pura forma de ser, os magníficos poetas repentistas com seus jogos de palavra e seu raciocínio veloz em torneios semânticos que, às vezes, duravam dias e noites.
Manoel Xudu merece constar na galeria dos grandes artistas populares do Brasil. Esse fenômeno da poesia popular divulgou em versos geniais os valores sociais, políticos, religiosos, culturais e econômicos de sua terra, nas tradicionais cantorias que foram, durante muito tempo, a educação informal principalmente das comunidades do campo.
O saber do povo, a bem da verdade, sempre foi olhado com desconfiança pelas elites dirigentes. No entanto, hoje a obra de Manoel Xudu é estudada por pesquisadores da cultura popular. Louve-se a iniciativa da prefeitura de São José dos Ramos, de editar este livreto com o que de melhor produziu o poeta e foi gravado pela memória de alguns admiradores, além de versos de folhetos de cordel, como é exemplo a “Peleja de Manoel Xudu com Zezé Lulu”, publicado na íntegra neste opúsculo. Conhecendo-se a má vontade dos esquemas oficiais, quando se trata de apoio à produção artística e cultural dos pobres, damos graças aos deuses do Parnaso por São José dos Ramos ter um prefeito, Azenildo Ramos, amante da poesia e da cultura popular, ele que investiu na divulgação da história da vida e obra desse poeta simples, reconhecido hoje como um dos maiores repentistas de todos os tempos no Nordeste.
Em um festival de poetas no Clube Astrea, em João Pessoa, pediram uma definição de poesia. Manoel Xudu saiu-se com este improviso:
“Poesia tão linda e soberana
E tão pura, tão branca igual a um véu...
Está na terra, no mar, está no céu
E no pelo que tem a jitirana.
Ela está em quem vive a cortar cana
Quando volta pra casa ao meio dia...
Está num bolo de fava insossa e fria
Que um pobre mastiga com lingüiça.
Está na paz, no amor e na justiça
O mistério da doce poesia.
Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 26/05/2009
Código do texto: T1615251
Código do texto: T1615251
Comentários
Sobre o autor
Os
chamados, “ouvintes de cantoria”, que também são poetas, apesar de não
fabricarem os versos, exercem, e como exercem, uma cumplicidade com os
cantadores. Eles sabem das histórias dos poetas, declamam seus versos de
pé-de-parede, passam pra frente além de ter um passado histórico de imortalizar
os vates mais consagrados. Ainda tem um detalhe fundamental relacionado à
categoria dos “ouvintes”: eles inspiram os cantadores no momento em que criam
os motes já com uma dosagem forte de um poema. Quando Manoel Filó dá o mote: -
Uma gota de pranto molha o riso/ Quando o preso recebe a liberdade. Ou então: -
O espinho é o vigia/Da inocência da flor. Eis aí, uma possibilidade real do
cantador se inspirar, para produzir “pérolas”.
Manoel
Xudu Sobrinho foi um homem simples, generoso, eternamente, cavalheiro, incapaz
de um ato ríspido, mesmo nas horas em que sua tranqüilidade corresse o risco de
ser ameaçada. Nem por isso deixou de ser um poeta atormentado, de permeio,
entre “o mundo e o nada”, o pranto e o riso. Natural da cidade de Pilar, na
Paraíba, conterrâneo de José Lins do Rego e de João Lourenço, violeiro em plena
atividade profissional.
“A
obra de Xudu exige um conhecimento maior desse gênio do repente. Cada estrofe é
um monumento de Arte, a expressar uma cascata de emoções que despenca em uma
alma profundamente humanística”.
Xudu
preenche as exigências da categoria, no que concerne, o cantador, o poeta, e o
repentista. O cantador canta em qualquer estilo, atende ao mercado, espreita os
acontecimentos diários. O poeta não se explica, graças a Deus! Tudo tende à
emoção. É o Arquiteto dos sonhos e da metáfora. O repentista é simplesmente
maravilhoso! É a marca registrada do repente. É quem pega o fato no ar, muitas
vezes sem saber nem o que vai dizer. Ele pega de bote.
Xudu
era tudo isso, dentro de uma simplicidade tamanha, ele abordava os temas mais
profundos, com a maior presteza:
A
MULHER QUE EU CASEI
ALÉM DE LINDA É BREJEIRA
DAQUELAS QUE VAI À MISSA
NO DOMINGO E TERÇA-FEIRA
DAS QUE FAZ UMA SOMBRINHA
COM UM PÉ DE CARRAPATEIRA.
ALÉM DE LINDA É BREJEIRA
DAQUELAS QUE VAI À MISSA
NO DOMINGO E TERÇA-FEIRA
DAS QUE FAZ UMA SOMBRINHA
COM UM PÉ DE CARRAPATEIRA.
A
arte do improviso alimentava corpo e alma deste poeta, do “Pilar”. Bom tocador
de viola, o que é um tanto raro dentre os repentistas. Ele e Severino Ferreira
quando se deparavam, o “cancão piava”, no desafio só de viola. Gostava de uma
“branquinha”. Meu Deus! Às vezes os próprios colegas o prendiam num quarto, até
de motel, contanto que ele estivesse bom para o desafio noturno dos
“Festivais”.
Xudu
colocava a mulher em uma sextilha, onde ela era cúmplice dele, e ainda era quem
dava a “chave”. Mas, isso não bonito?
EU
ESTAVA NA PRECISÃO
QUANDO ME CASEI COM NITA
NADA TINHA PRA LHE DAR
DEI-LHE UM VESTIDO CHITA
ELA OLHOU SORRINDO E DISSE
OH! QUE FAZENDA BONITA!
QUANDO ME CASEI COM NITA
NADA TINHA PRA LHE DAR
DEI-LHE UM VESTIDO CHITA
ELA OLHOU SORRINDO E DISSE
OH! QUE FAZENDA BONITA!
Mas,
por falar em mulher, nada melhor do que chamar Xudu. Claro, todos somos
Freudianos:
MAMÃE
QUE ME DAVA PAPA
ME DAVA PÃO E CONSOLO
DAVA CAFÉ DAVA BOLO
LEITE FERVIDO E GARAPA
MAS UMA VEZ DEU-ME UM TAPA
E DEPOIS SE ARREPENDEU
BEIJOU AONDE BATEU
DESMANCHOU A INCHAÇÃO
“QUEM NÃO TEM MÃE TEM RAZÃO
DE CHORAR O QUE PERDEU”.
ME DAVA PÃO E CONSOLO
DAVA CAFÉ DAVA BOLO
LEITE FERVIDO E GARAPA
MAS UMA VEZ DEU-ME UM TAPA
E DEPOIS SE ARREPENDEU
BEIJOU AONDE BATEU
DESMANCHOU A INCHAÇÃO
“QUEM NÃO TEM MÃE TEM RAZÃO
DE CHORAR O QUE PERDEU”.
E
então? Veremos agora, o Xudu autobiográfico. Revelando uma trajetória de vida
no sacrifício, na porrada. Particularmente, nunca tinha visto uma
autobiografia, tão sincera, com todas as etapas da vida do poeta. Genial:
DIA
13 DE MARÇO TERÇA-FEIRA
ANO MIL NOVECENTOS TRINTA E DOIS
POUCO TEMPO DEPOIS QUE O SOL SE PÔS
MAMÃE DAVA GEMIDOS NA ESTEIRA
NUMA CASA DE BARRO E DE MADEIRA
MUITO HUMILDE COBERTA DE CAPIM
EU NASCI PRA VIVER SOFRENDO ASSIM
MINHA DOR VEM DOS TEMPOS DE MENINO
VIVO TRISTE POR CAUSA DO DESTINO
E A SAUDADE CORRENDO ATRÁS DE MIM.
ANO MIL NOVECENTOS TRINTA E DOIS
POUCO TEMPO DEPOIS QUE O SOL SE PÔS
MAMÃE DAVA GEMIDOS NA ESTEIRA
NUMA CASA DE BARRO E DE MADEIRA
MUITO HUMILDE COBERTA DE CAPIM
EU NASCI PRA VIVER SOFRENDO ASSIM
MINHA DOR VEM DOS TEMPOS DE MENINO
VIVO TRISTE POR CAUSA DO DESTINO
E A SAUDADE CORRENDO ATRÁS DE MIM.
Daqui
vai um alerta para aqueles que conhecem outras versões de alguns versos que por
acaso constem nesta matéria. É que, os próprios ouvintes de cantoria, os
cantadores, os livros (e são muitos), têm versões diferentes, no que concerne
às mudanças constantes nas linhas ou estrofes, ou até relacionados à autoria de
um verso. Eu mesmo, já presenciei contradições de versos dentro da casa do
próprio Lourival Batista, cuja autoria era atribuída a ele. Isso é literatura
oral. Portanto, o mais importante, é que ao alterarem estrofes dos versos,
nunca se fere o princípio básico do que o autor quis passar para os ouvintes.
Na sextilha do poeta, João Paraibano: - Eu estava no sertão/ Balançando em
minha rede/ Vendo o açude vazio/ Com dois rachões na parede/ E as abelhas no
velório/ Da flor que morreu de sede. Pois bem, este açude, coitado! Nessas
alturas, já vai com mais 100 rachões na parede...
Manoel
Xudu tinha o olho biônico. Seus versos eram recheados de carinho, paixão, desde
quando necessários. O mote que ele recebeu, foi o seguinte: Pode ir lá que está
gravado/ O nome de Ana Maria:
O
NOME DA MINHA AMADA
ESCREVI COM EMOÇÃO
NA PALMA DA MINHA MÃO
NO CABO DA MINHA ENXADA
NO BATENTE DA CALÇADA
E NO FUNDO DA BACIA
NA CASCA DA MELANCIA
MAIS GROSSA DO MEU ROÇADO
“PODE IR LÁ QUE ESTÁ GRAVADO
O NOME DE ANA MARIA.
ESCREVI COM EMOÇÃO
NA PALMA DA MINHA MÃO
NO CABO DA MINHA ENXADA
NO BATENTE DA CALÇADA
E NO FUNDO DA BACIA
NA CASCA DA MELANCIA
MAIS GROSSA DO MEU ROÇADO
“PODE IR LÁ QUE ESTÁ GRAVADO
O NOME DE ANA MARIA.
E
agora? Agora vamos terminar esse papo, com Manoel Xudu Kafkiano. Pôxa! E Xudu
sabia o que era Surrealismo? Então, para os leitores mais engajados:
A
PRISÃO ONDE ESTAVAM OS CONDENADOS
NA ANTIGA CIDADE DE BEZETA
ERA TODA PINTADA À TINTA PRETA
E TRANCADA POR FORTES CADEADOS
GUARNECIDA POR TRINTA E DOIS SOLDADOS
CADA UM COM DOIS METROS DE ALTURA
E ALÉM DE SE LER A AMARGURA
NO SEMBLANTE DAS MUDAS SENTINELAS
QUEM OLHASSE PRAS GRADES DAS JANELAS
TAVA VENDO O RETRATO DAS TORTURAS.
NA ANTIGA CIDADE DE BEZETA
ERA TODA PINTADA À TINTA PRETA
E TRANCADA POR FORTES CADEADOS
GUARNECIDA POR TRINTA E DOIS SOLDADOS
CADA UM COM DOIS METROS DE ALTURA
E ALÉM DE SE LER A AMARGURA
NO SEMBLANTE DAS MUDAS SENTINELAS
QUEM OLHASSE PRAS GRADES DAS JANELAS
TAVA VENDO O RETRATO DAS TORTURAS.
Faz coisa de admirar/
Faz barata dar o brilho/
Sem nunca verniz passaar/
Faz galinha comer milho/
Beber água e não mijar./
***********************
//Anizio